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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A soberba é o início de todos os pecados?



"Parece que a soberba não é o início de todo pecado:
1. Com efeito, a raiz é um certo princípio da  árvore. Assim parece que é o mesmo a raiz e o princípio do pecado. Ora, foi dito que a avareza é a raiz de todos os pecados. Logo, ela é também, e não a soberba, o início de todo pecado.
2. Além disso, o livro do Eclesiástico diz que “o início da soberba humana está na apostasia de Deus” (10, 14(12)). Ora, esta apostasia é um pecado determinado. Logo, algum pecado é o início da soberba, e não é ela o início de todo pecado.
3. Ademais, parece ser o início de todos os pecados, o que faz todos os pecados. Ora, tal é o amor desordenado de si mesmo que “faz a cidade de Babilônia”, como diz Agostinho. Logo, o amor de si é o início de todo pecado, e não a soberba.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, é o que diz o livro do Eclesiástico: “O início de todo pecado é a soberba” (10, 15(13)).
RESPONDO. Alguns dizem que a soberba significa três coisas: 1. O apetite desordenado da própria excelência, e assim é um pecado especial. – 2. Um certo desprezo atual de Deus, com o efeito de não submissão aos seus mandamentos: então se diz que é um pecado geral. – 3. Uma certa tendência da natureza corrompida a este desprezo, e assim dizem que é o início de todo pecado. Ela difere da avareza, porque a avareza no pecado diz respeito à conversão ao bem mutável na qual o pecado encontra de certo modo seu alimento e sustento.. É por isso que a avareza se diz raiz, mas a soberba no pecado diz respeito à aversão de Deus cujo preceito o homem recusa aceitar. É por isso que soberba é chamada o início, porque é pela aversão que começa a razão do mal.
Embora essas coisas sejam verdadeiras, não são segundo a intenção do sábio, que disse: “o começo de todo pecado é a soberba”. Com efeito, claramente ele fala da soberba enquanto apetite desordenado da própria excelência, como se vê claramente no que se segue: “Deus destruiu os tronos dos chefes orgulhosos”(v. 17(14)). É disto que o autor fala em todo capítulo. Eis porque deve-se dizer que a soberba, mesmo como pecado especial, é o começo de todo pecado. Deve-se considerar que nos atos voluntários, como são os pecados, há duas ordens: a da intenção é o fim que tem a razão de princípio. Ora, o fim do homem na aquisição de todos os bens deste mundo consiste em obter por eles uma certa perfeição e excelência. Por isso, na ordem da intenção, a soberba que é o desejo da excelência é tido como o começo de todo pecado. Mas na ordem da execução, é primeiro o que dá a oportunidade de realizar todos os desejos do pecado, o que tem a razão de raiz, a saber: as riquezas. Eis porque a avareza é tida, na ordem da execução, como a raiz de todos os males, como foi dito.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. A resposta está clara no que foi dito.
2. A apostasia de Deus é chamada o início da soberba pela aversão. Pois, pelo fato que o homem não quer submeter-se a Deus, segue-se que ele quer de modo não ordenado sua própria excelência nas coisas deste mundo. Assim, nesta passagem, a apostasia não é tomada como um pecado especial, mas como uma condição geral de todo pecado que é a aversão do bem imutável. – Pode-se ainda dizer que a apostasia de Deus é chamada o início da soberba porque é sua primeira forma. Pertence, pois, à soberba não submeter-se a alguém superior, e principalmente não querer submeter-se a Deus. Daí vem que o homem se eleva indevidamente acima de si mesmo segundo todas as outras formas de soberba.
3. O homem ama-se a si mesmo enquanto quer sua excelência, porque é a mesma coisa amar-se e querer o bem para si. Portanto, é o mesmo afirmar que o início de todo pecado é a soberba ou o amor próprio."
Fonte: ST I-II, 84, 3


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A avareza é a raiz de todos os pecados?



Aqui argumentos contundentes de Santo Tomas de Aquino sobre alguns dos pecados capitais, começando pela Avareza que tanto mal faz a nossa alma. O desenho é sobre a obra literária de Dante, no seu viagem pelo Inferno.
"Parece que a avareza não é a raiz de todos os pecados:
1. Com efeito, a avareza é o imoderado apetite das riquezas e opõe-se à virtude da liberalidade. Ora, a liberalidade não é a raiz de todas as virtudes. Logo, a avareza não é a raiz de todos os vícios.
2. Além disso, o desejo dos meios procede do desejo do fim. Ora, as riquezas, objeto da avareza, só são desejadas como meios úteis, como diz o livro I da Ética. Logo, a avareza não é a raiz de todo pecado, mas procede de outra raiz anterior.
3. Ademais, freqüentemente a avareza, também chamada cupidez, tem sua origem em outros pecados: por exemplo, deseja-se dinheiro para fins de ambição ou para satisfazer a gula. Logo, não é a raiz de todos os pecados.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Apóstolo diz: “A raiz de todos os males é a avareza” (I Tm 6, 10).
RESPONDO. Segundo alguns a avareza tem muitos sentidos: 1) o desejo desordenado das riquezas, e nesse sentido é um pecado especial. 2) o desejo desordenado de um bem temporal qualquer, e nesse sentido é gênero de todo pecado pois que em todo pecado há, como foi dito (q. 72, a. 2), uma conversão desmedida para um bem mutável. 3) emprega-se ainda o termo para significar a inclinação da natureza corrompida para os bens corruptíveis, e nesse sentido dizem que a avareza é a raiz de todos os pecados,à semelhança da raiz de uma árvore que tira seu alimento do solo, porque é do amor das coisas temporais que procede todo pecado.
Embora isso seja verdade, não parece que seja segundo a intenção do Apóstolo que disse que o desejo é a raiz de todos os pecados. Manifestamente ele fala contra aqueles que “por querer tornarem-se ricos, caem nas tentações e nos laços do diabo, porque a raiz de todos os males”, ele acrescenta, “é a cupidez”. Portanto é evidente que ele fala da cupidez como desejo imoderado das riquezas. E é neste sentido que é preciso dizer que o pecado especial da avareza é chamado a raiz de todos os pecados, à maneira de uma raiz que fornece o alimento à árvore inteira. Vemos, de fato, que o homem adquire com a riqueza a faculdade de cometer qualquer pecado e de realizar o desejo de qualquer pecado, porque o dinheiro pode ajudar a adquirir quaisquer bens neste mundo, segundo o livro do Eclesiastes: “Tudo obedece ao dinheiro” (10,19). E assim fica claro que a cupidez das riquezas é a raiz de todos os pecados.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. A virtude não tem a mesma origem que o pecado. O pecado tem sua origem no apetite dos bens mutáveis, e por isso o desejo destes bens que ajuda a obter todos os bens deste mundo é chamado a raiz dos pecados. A virtude, ao contrário, tem sua origem no desejo dos bens imutáveis, e por isso a caridade, que é o amor a Deus, se afirma a raiz das virtudes, segundo a Carta aos Efésios: “Enraizados e fundados na caridade” (3, 17).
2. O desejo do dinheiro se chama raiz dos pecados, não porque as riquezas são procuradas por si mesmas como um fim último, mas porque são muito procuradas como úteis para todos os fins temporais. Um bem universal sendo mais desejável que um bem particular, por isso move o desejo mais do que certos bens particulares, os quais podem ser possuídos pelo dinheiro, ao mesmo tempo com outros muitos.
3. Nas coisas naturais não se procura o que sempre acontece, mas o que acontece mais freqüentemente, pois a natureza das coisas corruptíveis pode ser impedida de agir sempre do mesmo modo. Assim, em moral, considera-se o que acontece na maioria das vezes, e não o que sempre acontece, porque a vontade não age por necessidade. A avareza, portanto, não se chama a raiz de todos os males porque às vezes um outro mal seja a sua raiz, mas porque é dela que mais freqüentemente nascem os outros males, pela razão já dada."
Fonte: ST I-II, 84, 1


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A bem-aventurança do homem consiste nas riquezas?



Objeções:" Parece que a bem-aventurança do homem consiste nas riquezas:
1. Com efeito, sendo a bem-aventurança o último fim do homem, ela consiste naquilo que ao máximo domina o afeto humano. Ora, no livro do Eclesiastes se diz: “Tudo obedece ao dinheiro” (10, 19). Logo, a bem-aventurança consiste nas riquezas.
2. Além disso, segundo Boécio: “A bem-aventurança é o estado perfeito da junção de todos os bens”. Ora, parece que pelo dinheiro poderão se adquirir todas as coisas, porque o Filósofo, no livro V da Ética, afirma que o dinheiro se inventou para ser a fiança de tudo aquilo que o homem quisesse possuir. Logo, a bem-aventurança consiste nas riquezas.
3. Ademais, como o desejo do sumo bem jamais acaba, parece ser infinito. Ora, isso se encontra ao máximo nas riquezas, porque diz o Eclesiastes que “o avaro jamais se satisfaz com as riquezas” (5, 9). Logo, a bem-aventurança consiste nas riquezas.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, consiste o bem do homem mais em conservar a bem-aventurança do que em perdê-la. Ademais, Boécio diz: “Mais brilham as riquezas quando são distribuídas do que quando conservadas. Por isso, a avareza torna os homens odiosos, a generosidade os torna ilustres”.

É impossível que a bem-aventurança do homem consista nas riquezas. Conforme o Filósofo diz no livro I da Política, há duas espécies de riquezas, as naturais e as artificiais. As riquezas naturais são aquelas pelas quais o homem é ajudado a compensar as deficiências naturais, como sejam, a comida, a bebida, as vestes, os veículos, a habitação, etc. As riquezas artificiais são aquelas que por si mesmas não auxiliam a natureza, como o dinheiro, mas a arte humana os inventou para facilitar as trocas, para que fossem como medidas das coisas venais.
É evidente que a bem-aventurança do homem não pode estar nas riquezas naturais. Buscam-se essas riquezas em vista de outra coisa, para sustentarem a natureza humana. Por isso, não podem ser o último fim do homem, porque não se ordenam ao homem como fim. Donde, na ordem natural, todas elas estão abaixo do homem, e são feitas em vista dele, conforme o Salmo 8: “Submetestes todas as coisas a seus pés” (v.8).
Não se buscam as riquezas artificiais senão por causa das naturais, pois não se buscariam, se não fosse porque por elas é comprado o que é necessário para o uso da vida. Por isso, têm muito menos razão de último fim. Logo, é impossível que a bem-aventurança, que é o último fim do homem, esteja nas riquezas.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. Deve-se dizer que todas as coisas corporais obedecem ao dinheiro, devido à multidão dos estultos que só conhecem os bens corporais, que podem ser adquiridas por dinheiro. Mas o critério dos bens humanos não deve ser tomado dos estultos, mas dos sábios, como também o critério dos sabores, por aqueles que tem gosto apurado.
2. Pelo dinheiro pode-se ter todas as coisas venais, mas não as espirituais, que não podem ser vendidas. Donde dizer o livro dos Provérbios: “Que adianta aos estultos possuírem riquezas, não podendo comprar sabedoria?” (17, 16).
3. Deve-se dizer que o apetite das riquezas naturais não é infinito, porque são suficientes à natureza segundo alguma medida. No entanto, o apetite das riquezas artificiais é infinito, porque satisfaz à concupiscência desordenada, que é imutável, como esclarece o Filósofo no livro I da Política. Todavia, o desejo infinito das riquezas é diferente do desejo do sumo bem. Pois o sumo bem quanto mais perfeitamente é possuído, tanto mais é amado e desprezadas as outras coisas, porque quanto mais é possuído, mais é conhecido. Donde dizer o livro do Eclesiástico: “Os que me comem, tem ainda mais fome” (24, 29). Mas no apetite das riquezas e de quaisquer outros bens temporais, acontece o contrário. Possuídos esses bens, são logo desprezados e outros são desejados. Isto está significado nas palavras do Senhor: “Quem bebe desta água (que significa os bens temporais) tem ainda sede” (Jo 4, 13). E isso porque a insuficiência deles é mais conhecida quando possuídos. Assim sendo, isso manifesta a imperfeição deles e também que o sumo bem neles não consiste."
Suma Teológica I-II, q.2, a.1

domingo, 16 de setembro de 2012

Tomás responde: A amizade é uma virtude especial?



 Objeções: Parece que a amizade não é uma virtude especial:
1. Com efeito, Aristóteles afirma que “a amizade perfeita é aquela que se fundamenta na virtude”. Ora, toda virtude é causa de amizade, porque, segundo Dionísio, “o bom é amável para todo mundo”. Logo, a amizade não é uma virtude especial, mas a conseqüência de toda virtude.
2. Além disso, Aristóteles diz, a respeito de um amigo, “que não é nem por amor nem por falta de amor que ele recebe todas as coisas como convém”. Ora, quando alguém exibe sinais de amizade àqueles que não ama, pratica algo do gênero da simulação, que repugna à virtude. Logo, esta amizade não é uma virtude.
3. Ademais, Aristóteles diz que a “virtude se situa em um meio-termo determinado pelo sábio”. Ora, o livro do Eclesiástico afirma: “O coração dos sábios está na tristeza, o coração dos insensatos na alegria” (7, 5). Convém, portanto, ao homem virtuoso se precaver sobremaneira contra o prazer, como diz Aristóteles. E ele acrescenta que este tipo de amizade “deseja por si mesma compartilhar as alegrias e evita provocar tristeza”. Logo, esta amizade não é uma virtude especial.
Porém, em sentido contrário, os preceitos da lei têm por objeto os atos das virtudes. Mas o livro do Eclesiástico diz: “Faze-te afável na assembléia dos pobres” (4, 7). Por conseguinte, a afabilidade, que aqui se chama amizade, é uma virtude especial.
RESPONDO: Uma vez que a virtude se ordena para o bem, toda vez que ocorre uma razão especial de bem, aí também haverá uma razão especial de virtude. Mas o bem consiste na ordem. Ora, é preciso que as relações entre homens se ordenem harmoniosamente num convívio comum, tanto em ações quanto em palavras, ou seja, é necessário que cada um se comporte com relação aos outros de maneira conveniente. Por isso, é necessário uma virtude especial que mantenha a harmonia desta ordem. E esta virtude se chama amizade ou afabilidade.
Quanto às objeções acima, portanto, deve-se dizer que:
1. Aristóteles fala de duas amizades. A primeira consiste principalmente na afeição de um homem para com outro, e pode ser a conseqüência de qualquer virtude. O que se refere a esta amizade foi dito quando se tratou da caridade. – Mas ele fala de um segundo tipo de amizade que consiste unicamente em palavras ou atos exteriores. E esta não realiza de maneira perfeita a razão de amizade, mas tem com ela uma certa semelhança, na medida em que alguém se comporta decentemente com aqueles com quem convive.
2. Deve-se dizer que por natureza todo homem é amigo, com amor geral, segundo a palavra do Eclesiástico: “Todo ser vivo ama seu semelhante” (13, 19). E as pessoas manifestam este amor por sinais de amizade que se dirigem em palavras ou atos até mesmo aos estranhos e desconhecidos. E não existe simulação nisso. Porque não se dá a estas pessoas sinais de amizade perfeita, uma vez que não se pode ter com estranhos a mesma intimidade que se tem com aqueles a quem se está unido por uma amizade especial.
3. Quando se diz que o coração dos sábios está na tristeza, não se quer dizer que os sábios levam a seu próximo a tristeza, pois o próprio Paulo afirma: “Quando um irmão teu se mostra triste por causa da comida, tu já não estás te conduzindo segundo as normas da caridade” (Rm 14, 15). Ao contrário, estes sábios procuram levar um consolo aos que estão tristes, de acordo com o Eclesiástico: “Não dês as costas a quem chora e procura te afligir com os aflitos” (7, 38). – Mas, quando se diz que o coração dos insensatos está na alegria, não quer dizer que eles alegrem os outros, mas que se aproveitam da alegria alheia.
Pertence aos sábios trazer prazer para aqueles de cujo convívio participam. Não o prazer lascivo que a virtude recusa, mas o prazer honesto, de acordo com o Salmo: “Como é bom e agradável para os irmãos habitarem juntos!” (Sl 132, 1). Algumas vezes, porém, para conseguir um bem ou afastar um mal, o homem virtuoso não terá medo de entristecer seus companheiros, como diz Aristóteles. E Paulo diz: “Se com esta carta eu fiz vocês ficarem tristes, não me arrependo” (2 Cor 7, 8). E logo a seguir: “Eu me rejubilo, não por terdes ficado tristes, mas por esta tristeza vos ter levado à penitência”. E, por isso, não devemos mostrar um semblante alegre àqueles que se deixam levar pelo pecado, como se quiséssemos confortá-los, para que não pensem que temos cumplicidade com o pecado deles e que, de certa forma, estamos encorajando sua audácia no pecar. Assim, lemos no livro do Eclesiástico: “Tens filhas? Trata de preservar a pureza dos corpos delas, e não lhes mostres um semblante risonho” (7, 26).
(Suma Teológica, II-II, q.114, a.1)

O anjo é delegado à guarda do homem desde o seu nascimento?


Objeções iniciais: Parece que o anjnão é delegado à guarda do homem desde o seu nascimento:
1. Com efeito, os anjos são enviados “a serviço em proveito daqueles que recebem a salvação como herança”, diz o Apóstolo na Carta aos Hebreus (1, 14). Ora, os homens começam a receber essa herança quando são batizados. Logo, o anjo é delegado a guardar o homem desde o momento do batismo, e não desde o nascimento.
2. Além disso, os anjos guardam os homens iluminando-os pelo ensinamento da doutrina. Ora, aos recém-nascidos não são capazes de doutrina, pois não têm o uso da razão. Logo, aos recém-nascidos não são delegados anjos da guarda.
3. Ademais, a criança no seio materno possui em certo momento a alma racional, como a tem após o nascimento. Ora, ainda no seio materno não lhe são delegados anjos da guarda, pois nem sequer os ministros da Igreja lhes conferem os sacramentos. Portanto, não é logo após o nascimento que os anjos são delegados à guarda dos homens.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, diz Jerônimo: “Cada alma, desde o nascimento, tem um anjo delegado à sua guarda”.
Ao comentar o Evangelho de Mateus, Orígenes diz que, a esse respeito, há duas opiniões. Alguns disseram que o anjo é delegado à guarda do homem desde o batismo; outros já desde o nascimento. É esta a opinião que Jerônimo aprova e com razão. Os benefícios que o homem recebe de Deus pelo fato de ser cristão começam com o batismo; por exemplo, a recepção da Eucaristia e outros semelhantes. Todavia, os benefícios que Deus dispõe para o homem pelo fato de ele ter uma natureza racional lhe são concedidos desde o momento em que, pelo nascimento, adquire tal natureza. Ora, esse benefício é a guarda dos anjos como está claro pelo que foi dito anteriormente [art. 1]. Portanto, tão  logo nasce, o homem tem um anjo delegado para sua guarda.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. Os anjos são enviados a serviço eficazmente só para aqueles que recebem a salvação como herança se considerarmos o último efeito de sua guarda, que é o recebimento da herança. Todavia, aos demais homens não é negado o serviço dos anjos, embora não seja eficaz em conduzi-los à salvação. Entretanto, é eficaz na medida em que os preserva de muitos males.
2. A guarda dos anjos tem como efeito último e principal a iluminação doutrinal. Todavia, tem muitos outros efeitos que interessam às crianças, como afastar demônios e evitar outros danos tanto espirituais como corporais.
3. A criança, enquanto se encontra no seio materno, não está totalmente separada da mãe, pois, em virtude de uma ligação especial, é ainda de alguma maneira parte dela, como o fruto que pende da árvore faz parte da árvore. Por isso se pode dizer como provável que o anjo da guarda da mãe guarda a prole que está em seu seio. Mas, ao nascer, ao separar-se da mãe, lhe é delegado o anjo da guarda, como diz Jerônimo.
Suma Teológica I, q.113, a.5