Objeções:" Parece que a bem-aventurança do homem consiste nas
riquezas:
1. Com efeito, sendo a bem-aventurança o último fim
do homem, ela consiste naquilo que ao máximo domina o afeto humano. Ora, no
livro do Eclesiastes se diz: “Tudo obedece ao dinheiro” (10, 19). Logo, a
bem-aventurança consiste nas riquezas.
2. Além disso, segundo Boécio: “A bem-aventurança é
o estado perfeito da junção de todos os bens”. Ora, parece que pelo dinheiro
poderão se adquirir todas as coisas, porque o Filósofo, no livro V da Ética, afirma que o dinheiro se
inventou para ser a fiança de tudo aquilo que o homem quisesse possuir. Logo, a
bem-aventurança consiste nas riquezas.
3. Ademais, como o desejo do sumo bem jamais acaba,
parece ser infinito. Ora, isso se encontra ao máximo nas riquezas, porque diz o
Eclesiastes que “o avaro jamais se satisfaz com as riquezas” (5, 9). Logo, a
bem-aventurança consiste nas riquezas.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, consiste o bem do homem mais em
conservar a bem-aventurança do que em perdê-la. Ademais, Boécio diz: “Mais
brilham as riquezas quando são distribuídas do que quando conservadas. Por
isso, a avareza torna os homens odiosos, a generosidade os torna ilustres”.

É evidente que a bem-aventurança do homem não pode
estar nas riquezas naturais. Buscam-se essas riquezas em vista de outra coisa,
para sustentarem a natureza humana. Por isso, não podem ser o último fim do
homem, porque não se ordenam ao homem como fim. Donde, na ordem natural, todas
elas estão abaixo do homem, e são feitas em vista dele, conforme o Salmo 8:
“Submetestes todas as coisas a seus pés” (v.8).
Não se buscam as riquezas artificiais senão por
causa das naturais, pois não se buscariam, se não fosse porque por elas é comprado o que é necessário para
o uso da vida. Por isso, têm muito menos razão de último fim. Logo, é
impossível que a bem-aventurança, que é o último fim do homem, esteja nas
riquezas.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se
dizer que:
1. Deve-se dizer que todas as coisas corporais
obedecem ao dinheiro, devido à multidão dos estultos que só conhecem os bens
corporais, que podem ser adquiridas por dinheiro. Mas o critério dos bens
humanos não deve ser tomado dos estultos, mas dos sábios, como também o
critério dos sabores, por aqueles que tem gosto apurado.
2. Pelo dinheiro pode-se ter todas as coisas
venais, mas não as espirituais, que não podem ser vendidas. Donde dizer o livro
dos Provérbios: “Que adianta aos estultos possuírem riquezas, não podendo
comprar sabedoria?” (17, 16).
3. Deve-se dizer que o apetite das riquezas
naturais não é infinito, porque são suficientes à natureza segundo alguma
medida. No entanto, o apetite das riquezas artificiais é infinito, porque
satisfaz à concupiscência desordenada, que é imutável, como esclarece o
Filósofo no livro I da Política. Todavia, o desejo infinito das riquezas é
diferente do desejo do sumo bem. Pois o sumo bem quanto mais perfeitamente é
possuído, tanto mais é amado e desprezadas as outras coisas, porque quanto mais
é possuído, mais é conhecido. Donde dizer o livro do Eclesiástico: “Os que me
comem, tem ainda mais fome” (24, 29). Mas no apetite das riquezas e de
quaisquer outros bens temporais, acontece o contrário. Possuídos esses bens,
são logo desprezados e outros são desejados. Isto está significado nas palavras
do Senhor: “Quem bebe desta água (que significa os bens temporais) tem ainda
sede” (Jo 4, 13). E isso porque a insuficiência deles é mais conhecida quando
possuídos. Assim sendo, isso manifesta a imperfeição deles e também que o sumo
bem neles não consiste."
Suma
Teológica I-II, q.2, a.1
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