CAPÍTULO II
A seguir, declara o propósito dos conspiradores: "Quebremos seu jugo e sacudamos para longe de nós seus vínculos". Isto está dito em sentido próprio, pois o poder do rei se diz "jugo". Em 1 Re 12, 4, diz-se a Roboão que torne mais leve o jugo imposto por Salomão. Pois, assim como o boi pelo jugo é jungido a sua faina, assim também os homens pelo poder do rei.
Não se pode arrojar o jugo sem antes romper os vínculos. Ora, num reino, os vínculos são aquilo que impõe a autoridade do rei, tal como soldados, exércitos, armas etc. É necessário, portanto, antes de mais nada, desfazer estes vínculos e, então, remover o jugo.
Em sentido espiritual, em Cristo há o jugo da lei da caridade: "Meu jugo é suave etc." (Mt 11, 30) e os vínculos são as virtudes (esperança, fé, caridade): "pondo empenho em conservar a unidade de espírito no vínculo da paz" (Ef 4, 3). E diz o Eclesiástico: "seus vínculos são os laços da salvação" (6, 29).
Não pode pois a consciência do homem subtrair-se ao jugo da lei de Cristo, sem antes romper os vínculos. É o que fazem aqueles que dizem a Deus: "Aparta-te de nós. Não queremos conhecer os teus caminhos" (Jó 21, 14) [7] . Ou daquele de quem se diz em Jeremias: "Desde o início arrojaste o jugo e quebraste os vínculos e disseste: 'Não servirei'" (Jer 2, 20).
CAPÍTULO III
Ao dizer: "Aquele que habita nos Céus, se ri", o salmo trata da agressão dos conspiradores ao reino de Davi: primeiramente, de como agridem ao Senhor e, em segundo lugar, a seu Cristo ("Eu, porém, fui constituído...").
Quanto ao primeiro caso, há quatro incidências: zombaria, desprezo, fala irada e confusão (irrisionem, subsannationem, iratam locutionem, et conturbationem).
Pois, assim como um menino, desprovido de forças, que luta contra um gigante, é objeto da zombaria do gigante, assim também aquele que habita nos céus ri-se dos impotentes que querem conspirar contra ele. Diz o livro de Jó: "Contempla os céus e vê, observa como as nuvens são mais altas do que tu. Se pecares, que mal lhe fazes?" (Jó 35, 5 e ss.). E se o impotente insiste, o poderoso o castiga e o despreza. O desprezo da irrisão faz-se com a boca[8] , enquanto o desprezo da subsannatio dá-se pela contração do nariz. O livro dos Provérbios (1, 26) fala nestes termos: "Vou rir de vossa desgraça e zombar (subsannabo) quando fordes atingidos pelo que temeis". E o salmo: "Dirigindo-se a eles em sua cólera", isto é, proferirá a sentença de condenação deles, pois Deus não incorre em ira (por vezes, atribui-se ao criador por antropospatos o que é da criatura, como uma paixão humana). Também outro salmo (Sl 6, 2) fala da ira nesse mesmo sentido: "Senhor, não me castigues com tua ira...".
E, por fim, passa à execução da sentença. Assim o salmo diz que, em seu furor, aterrá-los-á, no coração e na alma, com a condenação eterna, castigá-los-á com seu poder. Também diz o livro de Jó: "Sabe o que lhe está preparado, não escapará do dia das trevas, será aterrorizado pela tribulação e será invadido pela angústia" (Jó 15, 23).
Estas quatro coisas ocorrerão no juízo: escarnecerá (irridebit) [9] ao dizer "Tive fome..."; zombará (subsannabit) deles, situando-os a sua esquerda (Mt 25, 33); falará enfurecido (loquetur in ira), sentenciando "Ide, malditos, ao fogo eterno..." e aterrorizá-los-á (conturbabit), executando a sentença "E serão lançados no suplício eterno...".
CAPÍTULO IV
Mostra-se a seguir como serão reprimidos pelo seu Cristo: "Eu, porém...". Pois, o povo, nações e princípes insurgiram-se contra Cristo/Davi. Primeiramente mostra como o Cristo age em relação ao povo; em segundo lugar, em relação às nações ("Disse-me o Senhor...") e, em terceiro lugar, em relação aos reis ("Agora, ó reis, compreendei..."). E diz: "Eu, porém, fui constituído rei em Sião, seu monte santo...". Deve-se saber que há um rei constituído por Deus em Jerusalém e sua pregação restabelece a ordem sobre o povo. Como que dizendo: "Estes fazem rebelião, mas não podem alcançar seu intento, porque eu fui constituído e firmemente estabelecido rei sobre Sião, isto é, sobre o povo dos judeus, cuja cidadela é Sião".
Assim, seu poder advém de Deus, como diz o salmo: "O Senhor é meu auxílio e não temo o que pode fazer contra mim o homem" (Sl 117, 6). E o livro de Jó: "Põe-me, Senhor, a teu lado e mão alguma se levanta contra mim" (Jó 17,3).
"Fui constituído rei em Sião, seu monte santo": não para mim mesmo, mas para reger o povo segundo a lei de Deus e, por isso, prossegue: "Vou publicar o preceito do Senhor". Prefigurando a Cristo, fala-se desse rei, segundo a profecia: "Virão dias em que suscitarei a Davi um descendente justo, reinará e será sábio, praticará o direito e a justiça sobre a terra" (Jer 23, 5).
Sião, a igreja dos judeus, é chamado de monte santo, pois recebe antes os raios do Sol. Diz o Senhor: "Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mt 15, 24) [10] . E lê-se nas Escrituras: "Acaso ignoro que hoje me tornei rei de Israel?" (II Sam 19, 23).
"Vou publicar o preceito do Senhor", o preceito do Evangelho ou aquele preceito especial de Jo 13, 34: "Um mandamento novo eu vos dou: que vos ameis uns aos outros" e "Este é o meu preceito: que vos ameis uns aos outros" (Jo 15, 12). Este preceito, ele o pregou pessoalmente, por sua própria pessoa: "Jesus percorria toda a Galiléia ensinando nas sinagogas deles e pregando o evangelho do reino" (Mt 4, 23).
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